domingo, 28 de setembro de 2008

SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA MATURADA


Lembro-me perfeitamente quando aos 13 anos pisei pela primeira vez naquela antiquada biblioteca  ou recinto dos loucos, como diriam a maioria. Andar por ali não fazia muito bem a reputação de um bom cidadão parambuense. Como qualquer jovem daquela idade eu era guiado pelo senso comum e só entrava ali obrigado para efetuar “pesquisas” escolares. Aliás, benditas pesquisas que um dia me levaram a conhecer Pascal e ele me iniciou numa ciência que me levaria a uma tremenda obsessão e que hoje gera pra mim desconfiança.
Ainda hoje sinto falta de ir naquele prédio pouco visitado, desprezado pelos políticos analfabetos e pelos secretários de educação pouco educados. Mas aquela biblioteca iria me proporcionar o descobrimento do mundo. Vale lembrar que naquela época não existia a Rede Mundial de Computadores e até telefone e TV eram artigos de luxo. Até os meus 13 anos a única coisa que me fazia abrir livros era a matemática  sempre amei esta ciência tão “satanizada” pelos leigos.
E o que eu li naquela biblioteca? Não sei ao certo e sei. Descobri todos os grandes escritores que admiro hoje e passei a me alimentar do pó tão prejudicial a minha sinusite. Creio que muitos daqueles livros foram abertos e lidos pela primeira vez por mim. Pena que nem sempre pude ler tudo que quis, já que nem todos os pseudobibliotecários que por ali passavam eram capazes de diferenciar um livro literário de uma enciclopédia e por este motivo muitas vezes fui barrado e proibido de ler livros que não tivessem o nome de romance  a única coisa considerada literatura por uns “intelectuais” que ali trabalharam.
O que mais posso falar daquela biblioteca que tantas vezes peregrinou pelos prédios públicos, enxotada como reles destroços. Segui o quanto pude suas peregrinações e quantas vezes a visitava na esperança de achar algo novo que eu pudesse me esbaldar. Sempre festejava quando chegava um novo título por lá  coisa raríssima , quando estes não eram confiscados por autoridades que colecionavam livros para tentar afugentar a arrogância.
Na minha pequena Parambu ler sempre foi e ainda é uma atividade marginal, por isso mesmo poucos se aventuram neste crime. Dos poucos bissextos residentes ali e que lêem, muitos não são bem vistos. Até que entendo: normal mesmo é se for homem: de beber cachaça e fumar e se for mulher: engravidar aos 14 e ser “mãe” antes mesmo de saber o que é ser filha. Muitos poderão dizer que estou hiperbolizando, pode ser verdade, mas existe algo de realidade entre todas estas minha visões que surgem em minha mente depois que deixei a pacata Parambu.
Espero um dia novamente entra ali e pegar um livro qualquer, pode ser qualquer um, só por esporte mesmo. Sairei pela rua nervoso e trêmulo com aquele fruto criminoso escondido debaixo do casaco e desaparecerei na esquina rumo a algum lugar qualquer. Sinto falta desta sensação gostosa, parece que ler outros livros não possui o mesmo gosto. Acostumei-me a ler aqueles velhos livros empoeirados e borrados por manchas do desprezo e do tempo.
Agora se algum parambuense estiver lendo este texto, um conselho: não ande ali. Jamais leiam Schopenhauer, Agatha Christie, Pascal, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Dostoievski, Érico Veríssimo, Kafka, Kant, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Moacir Sciliar, Nelson Rodrigues, Nietzsche, Rubem Fonseca, Samuel Rawet, Sartre, Augusto dos Anjos, Autran Dourado, Erasmo de Rotterdam, Graciliano Ramos, Michel Focault, Vinicius de Moraes e, por favor, se mantenham longe de Dom Quixote de Miguel de Cervantes.

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