sexta-feira, 17 de outubro de 2008

URDO-BARBE


Celebro o mundo
a precariedade do mundo
a subjetividade imanente
a transcendência linear
o sufrágio no vácuo
o mundo lógico/escato
substrato retr[radi]oativo

mundo extra-imundo
subjacente e urbe
a [h]ora menos sua origem
/* Wflux cara a cara
sem direito aos seus poderes
sem suas leis gaseificadas */

o que vale ser visto
ser que compreendido o
leis extras de bardo
métricas sem rédeas

se tudo não é suficiente
se tudo não é tão igual
IF a bala é perdida THEN
mate o otário
ELSE mate a pessoa certa
END IF

tudo não tão lógico
nem tão certo
nem tão menos bipolar
fluxo de cre-ex-mentos

devíamos nos desprender das palavras
esquecermos dos gestos
abandonar a comunicação
não mais usar a interação
devíamos dever
imaginar o mundo sem imaginação
sentir o sangue pulsar
sob a égide das leis naturais

hoje sei que meu saber é sapere
hoje sei que sei pouco
amanhã saberei que saber é preciso
Creative Commons License
URDO-BARBE by Ozimar Alves Cunha is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

AO MEUS POUCOS AMIGOS



peço desculpa a vocês:
por não crê em vossas teses
por não ser capaz de provar as minhas
por não poder poder
por não estar preparado
e nem muito menos despreparado
pela intolerância tão sincera e vaga
pelas influências descabidas
pelos livros oferecidos e rejeitados
pelos poemas mal engendrados
pelas recíprocas retardatárias
pelas imagens esquecidas
pelo vinho deixado no copo
pelos sonhos deixados no meio do caminho
pelos e-mail´s insistentes

perdoe-me por apenas
tentar sempre ser eU
e nunca poder ser os outros
desculpa por não ser capaz
de ignorar o mundo e suas sujeiras

desculpem finalmente por ser incapaz
apenas sou um matuto cearense
com carapuça de outra coisa
Creative Commons License
AO MEUS POUCOS AMIGOS by Ozimar Alves Cunha is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

sábado, 11 de outubro de 2008

PARALELO 13 (29/09/2008)


é hora de partir
o trem chama seus passageiros
deixem suas mochilas
esta será a última viagem
esqueçam tudo que já passou
e também o que vier
subiremos no trem
rumo ao paralelo 13
deixaremos para trás tudo
e seguiremos viagem
sem rumo certo
nosso peito levará nossa angústia
aos poucos perderemos os sentidos
não mais saberemos distinguir nada
e aí será impossível o retorno

por toda a eternidade
sorveremos o necta sobejo
sem sabermnos o verdadeiro sabor
não teremos a real dimensão
nosso sono será eterno

é hora de partir
não é possível levar nada
senão uma boa dose de loucura

Creative Commons License
PARALELO 13 by Ozimar Alves Cunha is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

POEMAS DA VELHA-NOVA TEMPORADA


FOICE CIBERNÉTICA (13/04/2007, sexta-feira pela noite)

celebremos os homens máquinas
os homens mecânicos
que vivem de vender o próprio espírito
os homens que sorriem dólares
e se esquecem do gozo antecipado
antes da última aurora boreal

celebremos o fingimento premeditado
a gargalhada planejada
o gole de cerveja subvertido
o insulto mal elaborado
vibremos mais um ser eliminado
por mais uma vitória garrida
 guerreada a custo do suor alheio 

exaltemos ao Deus por nós criado
mutilemos nosso senso com a foice
esqueçamos que o beijo torto
é a despedida da morte cruel

... eu ...

esqueço que agora vivo mais do que nunca
e isso me mostra que viver é angustiante
não porque é ruim em si
 não, não é por isso 
é porque viver é em essência isso
quem não sente assim
é porque vive uma vida fingida
ou então se prepara em silêncio
para o auto-cadafalso

exaltemos mais do que nunca
o gozo cibernético
e o mundo virtual
que de virtual só tem o nome
celebremos o futuro brilhante que nos espera
amemos nem que seja a custa de ódio
esta deve ser a fórmula mais simples

... tu ...

o anjo descerá com a foice amolada
colocara-la sobre o pescoço do acusador
muitos gritarão em desespero
os bons se arrependeram de assim procederem
os maus se arrependeram de não serem bons
e nós os imaculados
ah... nós fulgiremos
sumiremos pela porta lateral
enquanto a multidão eufórica
pratica a sua justiça  cega 

... nós ...

viva ao novo mundo
forjado por mãos perfeitas
filhas de um amanhã vindouro

esqueçamos que algo precisa ser esquecido
sintamos então o peso do fingimento
tão valioso para nossa existência
e que existência...!?

vaguidão é o meu lema
celebrarei o último adeus
e o primeiro suspiro da agonia

ENTORPECENTE HIPERBÓLICO (23/04/2007)

penso em me entender
em pensar em nos entender
ou compreender o propósito
de tudo isto que está aí
e que a explicação da explicação
não passe de fetiche barato
nem de paranóia coletiva
e isso já se configura
um vício na prova
é recorrente eu sei
mais parece que vivemos
preso à parábola do anzol
onde peixe e pescador são a mesma pessoa

sou físico-poeta
um filósofo-poeta
um matemático-poeta
um lunático-poeta
mas é que a beleza do desconhecido
fascina-me
muito mais que um copo de coca-cola

não há muito que fazer
o que refletir
o que sentir
o que perceber
eu sei
e essa sabedoria me aterroriza
e ao mesmo tempo me encanta
dar-me consciência
que a única consciência possível
é a fuga do consciente
não há outro meio

nenhum substrato da vida pode ser maior
do que a própria vida
 sei que falo de redundâncias 
mas a vida nos ensina quase nada
e nos contentamos com muito pouco
ou quase nada
e é isso aí que temos que fazer mesmo
já que não temos coragem de fugir
já que o paraíso é inferno

penso em me entender
meu entendimento é pouco
raquítico...!?
nós sabemos pouco sobre tudo
conhecemos a estrela Gama-1725
e a integral do cosseno hiperbólico
e não conhecemos o sorriso escondido
em nossas carrancas sérias
a fabricar compêndios de entorpecentes

a cada dia amanheço no desconhecido
por trás de cada suspiro
questiono-me sobre o porquê de estarmos aqui
de especificamente estar aqui
e me perdoem por não ser o melhor
a explicar tudo isso
não entendi muito bem a psicanálise quântica
e nem muito menos a física analítica
nem sou muito afeito a conviver com monstrinhos imaginários

COLÍRIO ALUCINÓGENO

prendo o barco na margem
o que falta além do ocular

me derramo sincero
já não tenho mais o que esconder
nunca tive o que esconder
pois o que está oculto
liberto se tornou pelo fato oculto
o que está suplantado
é sinal da hereditariedade
fruto de uma nova forma
de uma nova idéia
que não requer subjetividade
e não se submete ao caos
é algo que faço além
que não está antes e nem depois
e que no hoje nada é
é vida
e como tal é mistério
é simulacro de palavras
o mistério não está aqui
não está além do tudo
é apenas fluxo inconteste
é o Deus antes de si
é a natureza
em sua natureza mais primária
quase um arbítrio aleatório
ou um sentido semiótico
ou idiotice mesmo
ou uma interpretação contagiada
um fôlego cambaleante
sentimento de quem possui sonhos
e os frutos deste se esvaem
na certeza de que o real
é tão real
que transforma a ficção em real
e tudo se mescla num guisado
numa epilepsia santa
numa simulação da vida
despreocupada em sentir
despercebida do gozo
da saliência protuberante
do silvo que se insinua
do sexo açodado de sabor
e da eclosão nuclear
que transborda as barreiras
que gera nas linhas uma falácia
que não precisar ser arriscada
pois é risco certo
pois é vida antes da morte
pois é morte antes do óbito
e nada é tão desleal
e fiel a uma lógica
que foge aos conceitos matemáticos
pois pertence à vaga tradição
e não possui nenhuma intenção
e fere minha ilusão

 tomara que o analgésico funcione
e eu consiga dormir 

PINTURA SENOIDAL OU BELEZA ESQUIZOFRÊNICA

tenho urgência para sentir a vida
para ler todos os livros
para compreender toda a matemática
para entender a libido da poesia
para suplantar o não suplantável
só não tenho urgência com minha barba

não tenho muita fé com as ideologia
elas são muito alienantes
 ideologia é uma idéia unitária
formada para ser dogma 

tenho urgência com a urgência
sinto a dor dos meus como a minha
mas estou prezo num labirinto estético
numa variedade algébrica não-comutativa
ou numa pintura senoidal abstrata

o resto de mim vive
com esperança residual
minha sabedoria é estranha
vivo para isto

da teoria dos grupos
aprendi que grupos são “coisas”
e as coisas vão muito além

não sou mais o mesmo poeta
não busco mais amuletos
escrevo para me libertar
da incapacidade de [re]criar
não me contento em apenas aprender
o que adiantar saber pintar
para apenas reproduzir telas alheias

CALTERIZAÇÃO

é preciso ir além do além
sentir a vida sem medo
mesmo que o medo exista
é preciso saber amar
ou ser amado
 nenhum dos lados da moeda
é fácil de ser assumida
aqui a probabilidade não funciona 

pessoas como eu se prendem a si
se prendem a algemas virtuais
não têm coragem de ver muito além
mas o além é aqui
e eu sempre tento entender isso

goles de vinho
não devem ser levados a júri
nem emoções apresadas
nem sapere!

RESPINGOS DE SAL (17/04/2008)

o que eu posso dizer sobre o mar
sobre a água...
eles representam para mim Deus
a chuva é o melhor sinal
da existência de Deus
e o mar? E a chuva?
sinto a brisa do mar
e os respingos de chuva
vejo Deus entre o mar
o sal que não tem na chuva
olho entre os vidros do ônibus
respingos de uma chuva
lembro-me da sabedoria
da chuva-mar-sal-Deus

a chuva me leva a tristeza
a tristeza me leva a vida
o mundo me leva ao mar
assim a chuva me alerta
e eu vivo o mar-chuva
a dignificação da vida

dentro do meu mundo
existem diversos mundos
e entre um mundo e outro
existem diversos mundos
e cada mundo é maior
que o conjunto dos outros

cada mundo é um universo

SORTILÉGIOS NEGROS (21/06/2008)

o mundo é tão estranho quanto nós
e não sabemos muito sobre nada
nem sobre nós e nem sobre o mundo
o que sabemos é estrábico
(e mesmo assim sabemos muito)
o suficiente para sabermos
que nada já é o suficiente
para sabermos que nada lucramos
que a angústia é a única solução
e que a pedra filosofal não existe
assim como nunca existiu a ilusão

a vida é uma busca pelo não buscável
mas não é preciso se perder
afinal nada é tão sério
nada é tão final e letal
nada é tão banal como a banalidade
e nossas ilusões nos sorvem
como eu sorvo a loucura
 santa loucura, insana 

lá fora está o medo
está a loucura noturna
soturna em seus sortilégios negros
lá fora está a virgem
que segura seus seios com frescor
mas não sabe que o seu deus já passou

há muitos dias não jogo xadrez
não sei mais movimentar as peças
não brinco mais de ser deuS

o mundo é tão estranho
eu sou muito estranho
somos animais estranhos
 bem que me avisaram
não beba da droga filosofia
ela te trará a sabedoria
e te devolverá a loucura 
então santa virgem de seios carnudos
dei-me suas mãos e sigamos
nos perderemos na névoa poética
nos misturemos com o cheiro das vinícolas

[SEM TÍTULO]

o que é a loucura se não nossas próprias vidas
senão a sinestesia élfica que emula nossas idéias
senão o pendão que nos leva ao verdadeiro céu
não creio no provisório e irreal
mas acho ilógico toda forma de lógica
mesmo a lógica fundada na ilógica
o que é realmente a loucura?
o que é a vida?
o que é o mistério?

depois que inventaram a ciência
depois que deixaram a santa irracionalidade
somente sentimos sortilégio baratos
cremos em Deus e amuletos
com a mesma convicção que levamos à fogueira o mais frágil
da mesma forma que fazemos a guerra
da mesma forma que fazemos o amor
mas e a loucura?!

além dos pilares basilares
está cravado em frases mirakulosas
a santidade daqueles que assumem a loucura
que despertam para a noite divina
que vêem Deus como real criador

sábado, 4 de outubro de 2008

VACUIDADES DIALÉTICAS (09/07/03)



Autor: Ozimar Alves Cunha Júnior

O futuro é uma forma abstrata
o passado é algo que existiu
não é fácil entender
futuro é o que está
e que em si mesmo
nada deixa de ser
é oblíqua a equação
passado é substância invisível
coisa que existiu
mas agora não é
assim, nada é em si
sistema para entender
tudo passa pelo presente
o passado já foi
e sempre será
o futuro será
não é certo
o tempo mesmo não existindo
é o móvel motor desta relação
onde o que não é
passa a ser, sendo
e assim, será incerto
abstrações...
vacuidades dialéticas
há um sistema vital
que rege ilusoriamente
somos presos a este arco
que só tem ida
mas não tem volta
porque é um estar aqui.

===============================================
ESTA POESIA FOI PUBLICADA NA REVISTA ESPIRAL 8
===============================================



==============================================
POEMA QUE CONTEMPLA O MESMO ASSUNTO (TEMPO)
==============================================

TEMPO FABULOSO
“Para aqueles de nós que acreditam na física, essa separação entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão, posto que tenaz.”
Einstein

o tempo não passa de ilusão
uma ilusão verídica
 racionalidade rústica 
ele não controla sua veracidade
sentido que a física tenta explicar
mas não passa de aforismos estrábicos
e a filosofia só lhe compreende na essência

o time é mateiro
arredio e sem pena
mesmo imaginário
ele não perdoa ninguém
é juiz supremo e cruel

o Zeit foge a compreensão
e suplanta a logicidade
ele é a quarta dimensão
e vara a imagem ocular
a sua percepção como tal
passa a ser relativa
e assim é imprecisa por natureza
e dentro da visão de seus ponteiros
tudo não passa de fluxo sibilar

o tiempo é largo
e abarca todas as marcas
que compõem os horizontes temporais
ele é passado e futuro
e mesmo impreciso
é também presente
ele é a linha
entre o passado e futuro
entre o presente e passado

o tempus é Primeiro Motor de si mesmo

CALEIDOSCÓPIO: FRATURA EXPOSTA


Autor: Ozimar Alves Cunha Jr

Pessoas passam por seus caminhos diários. Um executivo frenético cruza a rua sem prestar atenção na beleza do mar. Um pipoqueiro grita na tentativa de aumentar as vendas. Na areia algumas moças praticam nudismo. Nos edifícios as pessoas cumprem mecanicamente suas funções sem nada exigirem da vida. Jorge está com o cavalete armado tentando retratar o mar, a beira-mar é o ambiente de contemplação preferido por ele, que está pronto para pintar seu melhor quadro.

POETA:
"Minha arte é algo especial que busca uma expressão, sem que esta frature a linguagem. A arte está se depravando em todos os sentidos, mesmo debaixo das aparências mais intelectuais respira-se sempre um ar de desmoralização. Minha poética sempre se concentrou em retratar o absurdo que é o ser humano, mas sem deixar de ressaltar que este também é genial. As artes estão estagnadas, mas é preciso tentar reagir, parece que há uma quantidade de valores que nos tornam poderosos e ricos. Assim é preciso instalar novos pilares artísticos para que possam ser desfrutados. Eu não me declaro inovador, mas também não sou um parnasiano. Como criar uma cultura intensiva, se a própria sociedade explorada não tem esta consciência, e ao contrário, tem a tendência de eliminar os vestígios que lhe restam; assim não há como curar a arte e protegê-la para melhor utilizá-la. A maioria das pessoas não me entende, mas me conformo em atuar apenas nos círculos eruditos, pois não gosto de perder tempo com quem não tem sensibilidade e não sabe captar o inexpressivo. Há muitos anos trabalho na confecção do meu primeiro livro, mas minha construção é fina e delicada. Confesso que gosto de romances americanos e que amo a música clássica alemã.”

Os talhos de madeira caem no chão. Felipe está no seu galpão, um local espaçoso, mas que em compensação vive cheio de troncos de madeira, latas com gesso e outros materiais diversos que fazem parte do seu trabalho. Numa cadeira ao lado fica Sandra, a namorada de Felipe. Ela é entusiasmada e sonha ver o namorado apresentando suas esculturas em algum salão de Londres ou Paris. Sandra tenta entusiasmar Felipe dizendo:
– O grande erro de seus colegas consiste em considerar as idéias espirituais como objeto de luxo, pelo qual somente se recorre quando se está farto de tudo e não se sabe mais desejar outra coisa, se não, as coisas primárias da arte.
Felipe resmunga algo em resposta. As luzes do recinto são opacas e o casal fica o dia inteiro naquele local: Ele preparando e executando trabalhos que, na maioria das vezes, pela tarde são destruídos, pois os dois não acham que qualquer coisa possa representar o espiritualismo artístico defendido pelo grupo.

PINTOR:
"Vejo as coisas de dentro para fora. A natureza é superficial, mas Deus concentra na representação pictórica a divindade. Acredito que não devam existir verdades universais, mas somente “verdades” relativas aos interesses dos que possuem os meios para impô-las. Os homens deveriam se concentrar na contemplação, mas somente poucos podem representar a natureza, retirando dela as supurações e destacando as perfeições. Não vejo beleza alguma naquilo que não expresse a natureza, pois nada expressam, admiro sim, a natureza como ela é: linda e perfeita. Observo a natureza como ela deve ser vista: com a visão dos pincéis, pois no íntimo de cada obra de arte há sempre uma luta constante.”

O quarto está totalmente empoeirado. Há folhas soltas por todos os cantos. No canto esquerdo existe uma escrivaninha com uma lâmpada móvel que facilita a iluminação. Maciel escreve poemas como quem se mata, há toda uma preparação e na maioria das vezes ele pára no segundo verso. Com o tempo as folhas vão se perdendo em meio aos livros. Na gaveta da cômoda há um fichário, onde são guardados os poemas que chegam até o fim e que passam pelo crivo de Maciel. São poemas inéditos, com os quais sonha deslumbrar o mundo ao editá-los.

PAI DO ESCULTOR:
"Meu filho sempre foi diferente. No início eu pensei que ele seria o orgulho da família, mas o tempo foi passando e tudo começou a ficar esquisito. Primeiro ele começou a ler, chegou a passar semanas sem dormir, só lendo. Depois vieram as farras e por final esta loucura de ser escultor. Ora, este vagabundo deseja manchar a reputação da família deixando sua mãe pelos cantos a chorar; Eu tendo que ouvir besteiras do seu Joca da bodega. Às vezes, Felipe me vem com coisas de desmiolado e dá vontade de lhe dá uma surra, mas eu já disse para a mãe dele, que o safado já não é mais o meu filho, ele agora é filho do mundo."

– Mas isso é indigno Doutor! – Um soluço lhe corta a voz, mas ela consegue terminar a frase. – Me explique melhor!
– Veja: Seu filho tem uma mancha no cérebro, o que o faz um ser que aspira cuidados especiais.
– Quer dizer que meu filho é doido?
– Não minha senhora!
A mulher começa a chorar e soluçando fala:
– Ele sonha em ser famoso. Vive escrevendo poesias. Meu filho é um artista. – Novamente um soluço irrompe e ela tenta concluir. – Mas ele corre algum risco de vida, Doutor?
– É preciso fazer mais exames. – A mulher perde o controle e desabrocha num clamor que comove todos na clínica.

PINTOR/ESCULTOR:
"Como eu trabalho com símbolos, tenho que ter muito cuidado com as representações estilísticas. As artes modernas preferem os símbolos abstratos às figurações, o que limita a arte a ter um conhecimento raso da engrenagem dos fenômenos e que finalmente não determina o que estes realmente são. Sei que estou preparado para ser um artista renomado, pois este é o meu sonho. Mas quem sabe o que acontecerá, pois eu defendo um futuro brilhante, uma carreira e uma vida plena e espiritual. Não há nada mais supremo do que isso: captar imagens. São imagens e percepções. A natureza está em tudo: cromática e viva, pronta para ser egocentricamente misturada com a divindade artística. Toda manifestação artística verdadeira é equilibrada quanto à natureza. Assim, vejo a beleza como uma ligação entre o homem e Deus e a vida como a maior das expressões artísticas."

– Não me entendo Carla!
– Como assim não se entende?
– Ora... Não me entendo. – Ela pensava em Felipe, que naquela manhã devia estar trabalhando sozinho no galpão.
Então ela beija Carla demoradamente e esta aceita aquele ato insano. As duas começam a se acariciarem. Carla encontra o sexo da amiga e se sente excitada, enquanto sua parceira morde sua nuca. As duas começam a se despir e logo depois fazem sexo ali mesmo na sala.
Horas depois...
– Nunca senti nada igual.
– Muito bom. Nunca pensei que você fosse tão louca.

MÉDICO DO POETA:
"O senhor Maciel se encontra num estado delicado. A sua mancha no cérebro se trata de uma patologia desconhecida e que também é progressiva. Só nos resta, usa-lo como cobaia para experiências, só assim, quando aparecer outros acometidos dessa enfermidade, poderemos tratar destes melhor. É uma pena que um jovem culto como o senhor Maciel, não tenha tanto tempo de vida."

De longe era possível ver Jorge. Compenetrado ele transladava uma moça para sua tela. Ele, num local privilegiado, as rochas ficavam numa posição correta e ela de longe parecia que pousava intencionalmente servindo de adorno. Enquanto o pincel corre, Jorge se lembra de quando na infância ia brincar nos descampados: todos os meninos riam de sua baixa estatura. Ele, já com 12 anos não se conformava com aquela situação. Aquilo o fez recolher-se dentro do seu mundo. Aquela sua pintura se chamaria: "A moça de pedra", faria bastante sucesso.
Carros passavam. Uma moça desce do carro com um envelope na mão. Um jovem barbudo leva um pacote grande nos ombros. Uma senhora segue pela calçada com o olhar abatido e o caminhar cansado. Nesse mesmo momento numa passeata, um grupo de jovens grita palavras de ordem, enquanto um destes lê várias folhas que estão em suas mãos.
– O que é aquilo? Devem ser baderneiros!? Não sei.
– Você não gosta mais do Felipe?
– O quê? O quê? – Na rua está acontecendo uma confusão com os jovens.

POLIFONIA:
"Minha pele vive marcada por agudos riscos. Vivo uma agitação lenta, como se algo houvesse de acontecer. Quando paro no espelho e me olho, fico estarrecido. O sucesso que me bate à porta parece merecido e ao mesmo tempo injusto. Agora me sinto exausto, como se tudo estivesse se esvaindo. Há momentos quando estou dormindo e meu corpo parece estar banhado por uma essência divina. Amanhã levarei meu último trabalho para que Carla possa analisá-lo, estou ansioso e nervoso. Com todas as dificuldades sei que assim mesmo poderia penetrar no nevoeiro da morte. Eu poderia também descer ao acaso da vida. Não há um instante a perder. Embarco enérgico nesta obscuridade. Sinto que dentro de mim algo me dilacera. Às vezes, quando termino um trabalho, fico a olhá-lo e a tentar recompô-lo. Sei que Deus está perto de mim, apesar de minha imperfeição. A arte é uma coisa séria, que deve ser levada ao extremo. Não que eu entenda muito disso, mas é a vida e a arte que me ensina um pouco disso tudo.”
* * *
– Você viu aquela tela magnífica do Jorge? – Argumenta a 1ª crítica de arte.
– Claro! As linhas são muito agressivas – Retruca a 2ª crítica de arte.
– A moça da tela ficou maravilhosa.
– Muito bonita. Só é curioso uma coisa, são aquelas brotoejas na rocha.
Uma das críticas começa a datilografar. No outro lado da cidade várias viaturas da polícia se dirigem para a praia. Uma moça sorri em seu apartamento.
– Olha aí o livro do Maciel que eu comprei. – Diz a 2ª crítica de arte.
– É o de estréia dele, não é!? – Indaga a 1ª crítica de arte.
– Sim. Suas rimas são sinuosas e suas metáforas são elegantes. O mais gostoso são seus momentos melancólicos.
No galpão de Felipe existem várias peças no chão, demonstrando desleixo.
* * *
Naquela noite, tudo estava calmo e pacato. Na orla marítima a brisa suavizava as faces decrépitas que procuravam repouso. Aquela praia era muito procurada por turistas, que ali faziam de tudo. O grupo se encontrava afastado da parte comercial da praia. Todos estavam reunidos em torno de uma fogueira que crepitava ardentemente. Aquela fogueira consumia muitos sonhos, desejos, paixões e leviandades. Ninguém ali era santo. Ninguém ali era de todo profano. Então, Carla se precipita a falar:
– Bebamos este vinho como se ele fosse nosso próprio sangue. – Era evidente embriagues de todos.
Felipe se levanta e balbucia algumas palavras incomunicáveis. Em resposta Jorge se deita – naquele momento ele vê as estrelas piscarem e pensou: como tudo aquilo era belo; aquelas imagens não eram possíveis de serem vistas da cidade – e, frenético, grita:
– Vivemos intensamente. Doaremos as nossas vidas em troca de uma causa plena. Vivam as linhas. Vivam as cores.
Sandra toca na mão de Carla e esta retribui ao afago. Maciel segura a arma firmemente e coloca três balas em seu tambor. Felipe pega a arma e roda o tambor e logo a entrega para Sandra. Neste momento Sandra olha para Felipe – este tinha a face cansada e os olhos rodeados de vincos – Então ela põe vagarosamente a arma no ouvido e puxa o gatilho. O corpo tomba para traz e o sangue escorre se misturando à areia. Maciel corre e pega a arma. Ele roda o tambor e posiciona abaixo de seu queixo e atira. O tiro encontra uma cavidade vazia. Então ele coloca mais duas balas na arma. Jorge pega a arma e a introduz na boca. O projétil vara o seu corpo, que tomba lentamente. Carla grita:
– Amaremos a nós mesmos, como amamos o mundo!
Maciel pega novamente a arma e desta vez aponta na cabeça de Carla. Felipe consegue ouvir o som dos miolos se destroçando. A pancada do corpo é brusca. Então Maciel aponta a arma em direção ao próprio nariz. Novo corpo no chão e bastante sangue que se mistura ao fogo. Felipe, o último de todos, completa o tambor de balas e a dispara no peito.
A brisa se agita e o fogo novamente crepita.


**********************************************************************************
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

É proibida a reprodução integral ou parcial. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
**********************************************************************************

Creative Commons License
CALEIDOSCÓPIO: FRATURA EXPOSTA by Ozimar Alves Cunha is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

CARTA FANTASIA


CARTA FANTASIA I (11/04/2000)

As luzes se movem
entre pensamentos
e reflexos sem ordem
de uma hora azul
figurando o amém
sendo poeta do não
vendo o ser da razão
o morno de algo ação
flertes de amor colorido
como e como palavras
de ternura e sabor
as luzes se apagam
a noite cai, vem
o vento flui, como o vermelho
e tudo voa no pensamento
de ser e não ser
cantarolando um verso
balbúcia de rimas
declamação de teorias
eixos e não eixos da luz
ser poeta do nada
rimar o inexistente
a noite flui, calma
a máquina de escrever
se evapora na saudade
uma saudade inexistente
como tudo na poesia
do poeta noturno
que não sabe distinguir
a diferença entre o mundo
e o calor de um afago
a luz brilha reluzente
a visão do meu tédio
a vontade de sorrir
ou de proferir uma rima
no vento de ser poeta
na vontade de ser o melhor
mas na prática ser o pior
como ondas que não se cansam
de subirem e descerem
sem fugir a regra
sendo sempre o mesmo
a noite vem a apagar
o vento corre como leite
a máquina vira uma carta
as fichas se misturam
como da vida a hora “H”
com chances de ferir
encerro a carta fantasia.

CARTA FANTASIA II

A lua vibrava e eu rolava
a caneta sumia entre rosas
morria um poeta de grito
mas à luz brilhou com trincos
de imediato apagando a pomba da paz
eram presas as letras da censura
ela voltava, voltou...
nós loucos por se expressar
calma coração não pare
antes do último grito
pois a vida é fraca
tudo é frágil, o sangue corre
o papel se apaga, a caneta é falha
os dígitos da mente se somem
e eu digito: sou a loucura dos loucos
mas a crítica flutua
e eu não passo de um pobre
os ricos se matam
como poeta eu choro letras
as flores se vendem
chamas se calcificam
é a apologia da loucura
é o apocalipse inválido
mentes de algodão
sementes de poesia
assim me pedem inspiração
me encomendam um poema
sobre os perfeitos
(mas como posso tanger o mar
se meus pés são âncoras de bronze?)
pulo e viro a bordo da máquina
a única via de liberdade no mundo
vem provérbios, vem cismas
e tudo me mostra a carta fantasia.

CARTA FANTASIA III

O chão treme e eu grito
penso em pular
tudo fica torto
os pupilos se curvam
ergo a minha espada
pronto para o combate
os navegantes invadem a loucura
os curiosos brigam por liberdade
mas eu fito de longe
os guerreiros se posicionam para a guerra
os piratas invadem a ilha ilusão
os exércitos da sabedoria
partem rumo a inércia
e eu fito de longe
um guerreiro solitário
todos se encontram no campo imaginário
numa guerra de pensamentos
eu me aproximo para retratar o acontecimento
e sou baleado com um verbo mal rimado
no final todos perdem
mas à guerra não acaba
como nunca acabará
e os pupilos, navegantes, curiosos
formam o reino dos revoltados
os guerreiros, piratas, exércitos da sabedoria
unificam-se como o grupo das ciências
mas vejo longe, bem longe
um guerreiro solitário
e só eu saio vivo
para versificar a carta fantasia.

CARTA FANTASIA IV

Preparo a carta fantasia IV
pego uma folha na gaveta
olho para o rato que passeia nas telhas
sinto a escassez de ser rigoroso
fazendo uma arte livre.

O ar era morno
os insetos piscavam
num instante vi a máquina
que se apresentava para mim
e pedindo sua alforria
sorri e dei um tiro em sua fonte
as pessoas correram atordoadas
e eu fugi rumo aos que brincavam
com uma bola de neve
e de repente começaram a atirar
vários caíram baleados
e eu empunhei minha arma
mas não houve jeito.

Beijei a face de uma deusa
era deusa mesma.

O aroma que exalava era trépido
uma folha tremia em minhas mãos
pensei ser uma carta
(esta minha psicose por cartas)
mas não, era um poema
(notei pela disposição das palavras)
no início, na margem esquerda
estava escrito
a carta fantasia.

CARTA FANTASIA V

à beira de um colapso biológico
os escolhidos decidiram que o nada seria melhor
e nos tornamos refém do virtual
nossas raízes se desprenderam do passado
e a loucura tomou conta das verdades
e os anjos com o domínio total
lancei-me a contestar minha sanidade
protestei com as ferramentas que possuía
não sobrou em quem confiar
apenas entendi que se tudo não valia a pena
deveria jogar aquela partida de xadrez
mesmo com meus cavalos truncados

lá pelas quantas entendi
a superficialidade do entendimento humano
e o efeito do narcótico começou a desaparecer
e se tudo não era mais verídico
a busca desesperada chegava a seu fim
finalmente estava livre para retroagir
até a minha idade negativa
até o antes do nada